A via das inúmeras pessoas
Hoje é um dia úmido e cinza. Decido sair de casa, enquanto não chovia, era por volta de dez horas da manhã. Minha casa fica em frente a um largo, uma espécie de lugar verde cercado por duas vias carroçáveis — uma delas é uma via que liga a zona sul à zona norte da cidade, então sempre tem muito trânsito; a outra é praticamente um estacionamento a céu aberto, normalmente.
Mas hoje não, essa via ganha um novo sentido na cidade. Onde normalmente tem cerca de cinquenta carros, hoje tinha pilares de bambu que tensionam lonas, formando uma espécie de cobertura itinerante, que só está ali nas terças-feiras. Eu chego entre uma lona e outra, afinal, minha casa fica no meio da quadra, e logo já recebo dois — bom dia!, de dois amigos que estão sempre presentes nas terças, meu dia já não parece mais tão cinza.
E percebo que ali, além das mais de dez lonas, também tem pessoas, normalmente só vejo as pessoas saindo dos carros, ou dentro deles, mas hoje não, elas estão na rua, ainda que com um dia feio.
Embaixo das lonas existe uma estrutura que separa vendedores de compradores, nessas estruturas existem diversos produtos. Me encontro primeiro com as frutas e verduras, Nossa, quanta coisa! Essa época normalmente esses produtos estão feios, por causa da intensidade de chuva e frio, mas hoje não. As bananas têm cinco ou seis cores diferentes, tem uma caixa com inúmeras goiabas, com inúmeras cores diferentes. Muitos produtos, me perco, já não sabia mais o que queria ver, são pimentas, alho, limão, bergamota, gengibre, abobrinha, cenoura, alho poró.
Sigo, e recebo mais um — bom dia!, afinal toda semana me torno parte da via estacionamento das terças-feiras. Caminho mais um pouco e me deparo com as flores, um, dois, três, quatro, cinco baldes cada um com pelo menos três tipos diferentes de flores, quanta cor num dia cinza. Olho para o lado e têm mais diversas plantas com diversas cores.
Caminho mais um pouco, em direção “ao fim”, a parte da via que possui menos pessoas e mais carros, a última estrutura tem doces de Pelotas, vários doces em caldas, consigo ver pelo menos dez baldes de doces, aqui já não me encanto tanto quanto nas flores. Depois dessa estrutura a via volta a virar estacionamento de carros, vejo quatro estacionados onde normalmente não poderiam estacionar. Vou voltar para casa.
Quando dou meia volta avisto uma mulher com um carrinho, desses de carregar compras, no carrinho só tinha bergamotas, incontáveis, talvez mais de 20: ‒ vai amassar as bergamotas com as próximas compras, moça, cuidado! Logo, avisto um homem passeando com um cachorro, essa prática sim é comum aqui, usam a parte verde do largo para passear com os cachorros, mas esse homem passeava pela via como se uma das vias fizesse parte do cotidiano dele, e ele pudesse finalmente se apropriar dela.
Me direciono ao entremeio das duas lonas pelas quais eu cheguei, e passo pelo largo, para ir para casa. Agora já não vejo mais as várias pessoas que encontrei no caminho do meu passeio. Só avisto carros, começo a contar, um, dois, três, uma moto, rápida, um caminhão para e um homem pega caixotes com frutas, dois carros buzinam. Me lembrei de uma música do Raul Seixas, antiga, que fazia sucesso quando eu era criança, um trecho em específico me atravessou “Eu falei de tanto número Talvez esqueci de algum Mas as coisas que eu disse Não são lá muito comum Quem souber que conte outra Ou que fique sem nenhum”.